Toledot
Dr Annette M. Boeckler
English                                                             Portugês
A primeira oração feita por uma mulher: Parashat Toledot

(versão ampliada (!) da transmissão pela North German Radio).
Dr. Annette Boeckler, Leo Baeck College, de Londres
[trad. Rabino Uri Lam]


“Se a vida é assim... Por que eu vivo?” Estas são as palavras da primeira oração feita por uma mulher na história judaica.

De acordo com a Torá, o ato de rezar para Deus começou com Enosh, neto de Adão e Eva. Mas ao procurar as primeiras palavras transmitidas em uma oração, depende do que você estiver procurando e o que se entende por oração.

Noé permaneceu calado por toda a sua vida literária, mas é evidente que vivenciou algum relacionamento com Deus.

Abrahão falava constantemente com Deus como se Deus fosse parte da família; mas Abrahão nunca formulou uma oração apropriada.

Nós encontramos A PRIMEIRA ORAÇÃO TEXTUAL na porção da Torá da semana passada (apresentada pelo notável e raríssimo tema musical “Shalshelet” – um encadeamento de três vezes a escala para cima e para baixo – para a palavra “e ele disse” antes da citação desta primeira oração textual). Lá, o servo de Abrahão disse: “Eterno, Deus de meu senhor Abrahão, dá-me hoje boa sorte” (Gên. 24:12). Segue-se então uma descrição de sua situação específica.

Agora esta semana lemos as PALAVRAS DE UMA ORAÇÃO FEITA POR UMA MULHER. Rivka diz: “Se a vida é assim... Por que eu vivo?” (Gên. 25:22). Ela não será a única mulher a rezar no Tanach. A mais famosa delas é Chana, mãe do profeta Samuel, a quem os rabinos do Talmud estabelecem como o modelo de uma pessoa que reza e derivaram dela a halachá para a oração judaica (Brachot 31a). A versão grega do Livro de Ester contém longas orações feitas por Ester, que não fazem parte da nossa Meguilá em hebraico/aramaico.

[Pode-se passar algum tempo refletindo sobre a função dessas orações... elas não têm nenhuma função litúrgica – nos tempos antigos a oração litúrgica era acompanhada por sacrifícios ou rituais – aqui em nossas histórias elas têm uma função LITERÁRIA específica, mas eu não quero entrar nisso agora].

No decorrer do tempo, porém, a religião foi dominada pela religiosidade dos homens. Os comentários clássicos sobre a oração de Rivka refletem isso. Rashi explica o versículo “Ela foi buscar Deus” como se segue: “Ela foi para a escola de Shem” – a lendária primeira Yeshivá dirigida por Shem e Éver – para descobrir como as coisas iriam acabar; e Deus revelou a resposta para Shem, o diretor, que então a contou para Rivka. De acordo com essa interpretação, nunca houve qualquer contato direto entre Rivka e Deus. O relacionamento de Rivka com Deus foi através de Reb Shem.

O comentarista Nachmânides, de uma geração após Rashi, discorda deste e explica: “Mas eu descobri que toda ‘busca’ usada em conexão com Deus significa ‘rezar’, o que é comprovado por diversos exemplos dos salmos e dos profetas, como por exemplo em: ‘Eu busquei a Deus e Ele me respondeu’ (Salmos 34:5)”.

A edição Artscroll deste comentário publicado há apenas sete anos acrescenta uma longa nota de rodapé: “A posição de Ramban (Nachmânides) aqui parece difícil por várias razões” (vol. II, pág. 7). Com montes de provas e detalhes, é explicado que na verdade Nachmânides quer dizer exatamente o mesmo que Rashi, isto é: Rivka procurou o diretor Shem – e não Deus.

Às vezes algumas coisas, uma vez habituais, caem no esquecimento. Por exemplo, que as mulheres sempre rezaram, sempre vestiram tefilin – o Talmud já menciona isso – ou conduziram orações públicas; nós conhecemos mulheres que lideravam os serviços religiosos: Urania, Dulcie de Worms e Richenza em Nuremberg, todas viveram no século 12 e.c. Essas mulheres conduziam os serviços religiosos públicos para as mulheres em suas comunidades – pelo menos de acordo com o que está escrito em suas lápides. Mas hoje em dia poucos conhecem seus nomes. No século 19, o papel das mulheres tornou-se fixo em casa e na família; e foi nessa época que a ortodoxia atual foi formada.

Na nossa época a situação é caótica. Outro dia eu fiz minhas orações dos dias da semana em uma sala onde, ao mesmo tempo, acontecia um tradicional serviço comunitário não igualitário. Eu vi apenas nove homens, mas o serviço foi realizado como se fôssemos um minian: todos os Kadish foram ditos e a Torá foi lida com aliot e bênçãos. Ao final do serviço, os homens que o conduziram disseram: “Obrigado a todos por estarem aqui hoje, para que fosse possível ler a Torá; hoje cada pessoa presente fez parte do minian”. Então eu, a única mulher presente, fiz parte da contagem deles. Nos dias de hoje, na maioria das comunidades não há nenhuma diferença litúrgica entre homens e mulheres. Mas em algumas sinagogas ocorrem debates dolorosos; em algumas comunidades ocorrem serviços paralelos igualitários ou mulheres e homens compartilham da leitura da Torá cada um no seu lado. E tudo isso não está relacionado com movimentos específicos. Eu conheço várias congregações progressistas que não chamam mulheres para a Torá e conheço comunidades ortodoxas nas quais as mulheres dirigem os serviços. Geralmente, na nossa época a reza das mulheres está presente em quase todo lugar na comunidade judaica, seja isso um fato ou se é comentado ou combatido. Estas questões não estão relacionadas com a posição geral dos movimentos, mas à política e às tradições da congregação.

Na porção semanal da Torá da semana nós escutamos sobre a própria mulher que instigou todos esses vívidos debate e diversidade: Rivka. Durante a sua dificílima gravidez – na verdade algo pelo qual seu próprio marido implorou a Deus antes – ela rezou para Deus: “Deus, se a vida é assim... Por que eu vivo?” E Deus lhe respondeu e explicou o futuro de Jacob e Esaú e o futuro da divisão na família.

Da mesma forma hoje: Deus escuta as orações de todas as mulheres, independentemente do que os homens das suas comunidades pensam sobre se podemos rezar com a congregação com talit e tefilin ou apenas secretamente em casa; se nós conduzimos as orações em nossas comunidades ou se só pensamos nossas palavras e melodias silenciosamente em nossos corações. Qualquer mulher que busca a Deus como Rivka fez é encontrada e escutada por Deus.

Shabat Shalom
THE FIRST PRAYER BY A WOMEN: PARASHAT TOLEDOT 

(English enlarged (!) version of North German Radio Broadcast tomorrow, 20:55 NDR Info.)

" If life is so ... why do I live?" - these are the words of the first prayer by a woman in Jewish history.

According to the Torah praying to God started with Enosh , grandson of Adam and Eve. But when searching for the first transmitted words a prayer , it depends what you are searching for and what is meant by prayer. 

Noah kept shtum his whole literary life, but clearly lived in some relationship with God.

Abraham talked constantly with God as if God was part of the family , but Abraham never formulated a proper prayer. 

We encountered THE FIRST PRAYER TEXT in last week's Torah portion. (They are introduced by the remarkable long rare musical motive “shalshelet” – a chain of three times the scale up an down - for the word “and he said” before this first prayer text is quoted.) There, Abraham's servant SAID: "Oh God, God of my master Abraham, grant me good fortune today.” (Gen 24:12). Then follows a description of his specific situation.

Now this week we read the WORDS OF A PRAYER BY A WOMEN. Rivka says: "If life is so ... why do I live?" (Gen 25:22). She will not remain the only praying woman in the TaNaKh. The most famous one is Hannah, mother of the prophet Samuel whom the rabbis of the Talmud set as the model of a praying person and derived the halakha for Jewish prayer from her (Ber 31a). The Greek version of the book of Esther contains long prayers by Esther, that are not part of our Hebrew/Aramaic Megillah.

[One could spend some time reflecting on the function of these prayers ... they have no liturgical function - in antique times liturgical prayer was accompanied by sacrifices or rituals - but here in our stories they have a specific LITERARY function, but I don't want to go into this here now.]

In the course of the time, however, religion was dominated by the religiosity of men. The classical commentaries on Rivkah's prayer reflect this. Rashi explained the verse " She went to search God" as follows: "She went to school of Shem" - the legendary first Yeshivah run by Shem and Ever - to find out how things would turn out, and God revealed the answer to Shem, the headmaster, who then told Rivkah. According to this interpretation , there never was any direct contact between Rivkah and God. Rivka’s relationship to God was via Reb Shem.

The commentator Nachmanides , a generation after Rashi , disagreed with Rashi and explains: “But I have found, that any ‘searching’ used in connection with God means ‘praying’ and he proves this with several examples from psalms and prophets, as for example in: ‘I sought God and he answered me’ (Psalm 34:5).

The Artscroll edition of this commentary published just 7 years ago adds a longer footnote: “Ramban’s position here seems difficult for several reasons” (vol II, p. 7). With lots of proofs and details it is explained that Nahmanides actually means exactly the same as Rashi, that is: Rivka sought the headmaster Shem , not God.

Sometimes some things once usual, get into oblivion. For example that women have always prayed, always donned tefillin – already the Talmud mentions this - or conducted public prayers, we know the prayer leaders Urania, Dulcie of Worms, and Richenza in Nuremberg, all living in the 12th century C.E. These women led the public services for the women in their communities – at least according to their gravestones. But today few know their names. In the 19th Century the role of women became fixed on household and family and during this time today's orthodoxy was formed.

In our time the situation is chaotic. The other day I did my Weekday prayer in a room where at the same time a traditional non-egalitarian communal Weekday service took place. I saw only 9 men, but the service was held as if we were a minyan, all Kaddishs were said and the Torah was read with aliyot and blessings. At the end of the service the men who led the service said: "Thank you all for being there today so that it was possible to read from the Torah, today every person present was a minyan person."- So I , the only woman present, had made up the number for them. In most communities these days there is now no liturgical difference between men and women. But in some synagogues there are hurtful debates; in some communities parallel egalitarian services take place or women and men share the torah reading each on their side. And all this is not related to specific movements. I know several progressive congregations that do not call up women to the Torah and I know Orthodox communities in which women lead services. Generally in our time women’s prayer is present almost everywhere in the Jewish community, either it happens or it is talked about or fought against. These issues are not related to the general position of movements but to Congregational politics and traditions. 

In Week’s torah portion we hear about the very woman who instigated this whole vivid debate and diversity : Rivkah. During her most difficult pregnancy - actually something her own husband had pleaded to God before -, she prayed to God: "God, if life is so ... why do I live?" And God answered her and explained her the future of Jacob and Esau and the future split of the family. – 

Similarly today: God hears the prayers of all women, regardless of what the men in their community think about whether we can pray with the congregation with tallit and tefillin, or only secretly at home, if we conduct the prayers in our community or if we only think our words and melodies silently in our hearts. Any woman who seeks God as Rivkah did, is found by God and is listened to.

Shabbat Shalom.
source: www.annette-boeckler.de